quinta-feira, 25 de março de 2010

SÍNDROME DE ASPERGER - UM TESTEMUNHO



O Filipe é uma criança de 11 anos que anda no 7º ano. Isola-se dos colegas, demonstra pouco interesse pelas aprendizagens e não estuda nem faz os trabalhos de casa. No entanto, não tem más notas, muito pelo contrário.
Quando está na escola, fala apenas com os professores e com os técnicos auxiliares de acção educativa, que o acham um menino muito bem comportadinho. Sempre que os professores passam por ele nos corredores da escola, vêem-no sempre sentado no chão, sozinho, a ler livros de banda desenhada e de temas científicos e a ouvir música com um Walkman. Nunca passa os intervalos com os colegas e os professores verificam muitas vezes que aqueles o gozam e o arreliam. O Filipe ignora-os.
Desde que o Filipe entrou para o infantário que os professores se queixavam que era uma criança muito sozinha e que se interessava por coisas de que as outras crianças da sua idade não gostavam. Todos acharam que ele era sobredotado. O Filipe aprendeu a ler, a formar palavras correctamente com letras de plástico e a fazer contas com 2 anos, sem que fosse ensinado. Tinha, era, muitos de livros em casa e via todos os dias a “Rua Sésamo”. A mãe sempre lhe leu histórias e, às vezes, o Filipe folheava os livros e contava em voz alta as histórias. O que ele dizia era exactamente o que estava escrito!
Tentaram colocar o Filipe numa escola onde o pudessem acompanhar e desenvolver as suas capacidades. Começou então a frequentar o primeiro ano numa escola privada para aprender a escrever e, no final do ano, transitou para o terceiro ano de escolaridade. O Filipe só falava com os adultos, em conversas muito avançadas para a idade. Os colegas gozavam-no e ele isolava-se.
A mãe admitiu que nunca o via a estudar e que ele era um pouco lento e ocioso em casa. Os únicos interesses dele, actualmente, eram os computadores e o “Magic” e, com isso, aborrecia toda a gente porque só falava dos seus interesses, mesmo quando os outros lhe pediam para parar. O Filipe foi passando por diferentes fases de interesses, desde os dinossauros, sismos e tsunamis, até à cultura japonesa.
Não comia qualquer que fosse o vegetal ou fruta. Por vezes, obrigado, comia sopa passada. Demora muito tempo a comer porque escolhe a comida dentro do prato: cebola, alho, ervas aromáticas ou pequenos legumes. Quando tinha 7 anos, o Filipe deixou totalmente de comer mousse de chocolate, da qual gostava muito, porque o pai lhe disse que era feita com cenouras e ervilhas.
É a mãe que, todos os dias, prepara o pequeno-almoço ao filho, lhe escolhe a roupa e o calçado que ele deve usar nesse dia, apertando-lhe inclusivamente os cordões e, se ela não lhe der indicações para a rotina de higiene, ele não as leva a cabo, como tomar banho, lavar os dentes, pentear, etc., dizendo mesmo que não se importa nada em andar sujo ou mal vestido, já que não é por isto que quer que as pessoas gostem dele.
Tinha sempre uma enorme quantidade de tiques: revirava os olhos, abria as mãos, abria a boca, torcia o nariz, etc. Estava sempre a coçar as pernas com os pés.
O Filipe tinha algumas manias, as quais já estavam a incomodar toda a gente em casa: não consegue deitar nada ao lixo (ex. papéis de rebuçados, papéis rasgados, etc) e coloca-os sempre nas gavetas da mesa de cabeceira, não deixa que ninguém lhes mexa nem deitar ao lixo. Sempre pôs os peluches a ver televisão e a jogar consola para se sentir acompanhado, sem que isso reflectisse jogo simbólico; não suportava que lhe tirassem um peluche ou outro brinquedo por estar velho ou estragado. Guardava tudo numa caixa e não se podia deitar nada fora ou dar a ninguém.
Para além disso, desde há cerca de um ano, quase todas as noites chorava a dizer que não queria crescer, porque não queria que a mãe e o pai morressem e tinha medo de dormir sozinho. Dorme sempre com 4 ou 5 peluches na cama. Também exige que a mãe lhe leia uma história à noite, de um livro que ele tem desde os 6 anos.
Tinha medo de ir à casa de banho sozinho e alguém tinha que ir com ele e ficar à porta a olhar para ele. Para tomar banho, também alguém tinha de ficar na casa de banho; e depois começou a levar a gata.
A posição que tomava face ao seu isolamento, era de indiferença. Encolhia os ombros e dizia que eles não lhe interessavam; falava bem com as pessoas, mas quando elas lhe faziam alguma coisa, deixava de lhes ligar. Só gosta da sua gata e costuma dizer que os animais é que deviam ser pessoas, porque, quanto mais conhece as pessoas menos gosta delas.
Todos os que andámos na escola nos lembramos de um rapaz, geralmente um rapaz, sozinho. Nunca se juntava aos grupos de jovens que proliferavam pelos pátios e corredores da escola. Habitualmente sozinho, ou conversando com algum aluno mais novo ou um adulto sobre um tema muito específico, levava para a escola livros que os outros consideravam “anormais” e passava os intervalos sentado no chão do corredor a lê-los ou a passear no pátio, junto às paredes, com os livros debaixo do braço. Quando lhe dirigiam a palavra, era frequentemente arrogante ou simplesmente não respondia, encolhia os ombros e afastava-se, deixando o seu interlocutor sozinho. E era alvo dos sorrisos, das piadas e da indiferença dos outros. Nunca ninguém o conheceu verdadeiramente, nem os professores. Apesar de tudo, era visto por eles como um adolescente cumpridor, com um comportamento exemplar, mas preguiçoso e com uma péssima caligrafia.

2 comentários:

  1. Centro ABCREAL Portugal

    www.centroabcreal.com

    O Centro ABCREAL Portugal tem a honra em anunciar o início de um novo e inédito Projecto:



    Intervenção Psicológica com Jovens do Espectro do Autismo.



    Um projecto que pretende sobretudo facilitar a integração no ensino “regular”.



    Os objectivos deste novo Projecto prendem-se com as necessidades que têm vindo a ser sentidas relativamente aos jovens que estão inseridos no contexto escolar regular.

    Deste modo, procuramos promover competências de relacionamento interpessoal, facilitar o desenvolvimento da auto-estima,

    auto-confiança, assertividade, potenciar o estabelecimento de limites e a capacidade de tolerância à frustração.

    Face aos problemas e dificuldades que se têm vindo a verificar na integração destas jovens na escola “regular”, nomeadamente a discriminação a que são, por vezes, alvo.

    Assim, queremos evitar situações de bullying, especificamente maus-tratos, violência e humilhação.

    Procuramos dar uma resposta eficiente e contribuir para uma melhor qualidade de vida dos jovens.



    Um Projecto que é um desenvolvimento natural da nossa Intervenção!



    E da nossa missão também!



    Porque uma Intervenção que pretende ser mais acessível a toda a gente!



    Acreditamos plenamente na Intervenção Precoce mas sabemos também que

    a Intervenção “ABA” nos mais velhos vale mesmo a pena!





    Consultas todas as terças feiras a partir das 17 horas ( Rua Rui Furtado, nº.16ª, junto ao Centro de Saúde da Charneca da Caparica ).

    Marcações através do 964042747.

    Primeira consulta: 35 euros

    Consultas( 1 hora): 25 euros

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  2. Esse texto me lembra muito minha própria infância, tirando a parte do medo de estar só e o apego a pelúcias, se bem que eu adorava minhas bonecas... Não tenho autismo até onde sei, mas quanto mais eu leio sobre o assunto mais sinto que devo procurar aconselhamento.

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